segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Cristo não caiu

Seguia para o Rio de Janeiro na manhã seguinte a tragédia no Morro do Bumba, ainda impressionada e triste com o que tinha visto na TV antes de sair da Região dos Lagos. Peguei a estrada pensativa, divagando sobre o destino do planeta, a destruição ambiental, a montanha de lixo eletrônico sem destino certo, o desejo da humanidade de industrialização incessante, o consumo desmedido da sociedade contemporânea, enfim... me sentindo até culpada por andar querendo trocar de celular, apesar dele ainda estar funcionando muito bem para o que de fato interessa: falar com as pessoas.

A manhã para mim estava meio sombria, chuvosa e cheia de insegurança. Medo mesmo do que está por vir. Dos avisos que meio ambiente tem nos mandado, com sinais cada vez mais ameaçadores. Até que, ao chegar na ponte Rio-Niterói, o sol estava despontando, depois de dias e dias de chuvas, trovoadas, enchentes e vítimas. Lá de cima, ao ver novamente o céu azul sobre o Rio de Janeiro, com sua paisagem de cartão postal, todos os pensamentos ruins se dissiparam. Num passe de mágica meu humor mudou e fiquei de bom astral.

Fui correndo os olhos admirando o Pão de Açúcar, a Baía da Guanabara, o Santos Dumont e pensei... é bom estar no Rio. Nesse Rio cheio de bossa, de gente louca por praia e malhação, gente que te convida para ir na casa dela mas não te dá o endereço, dos habituês dos botecos, das conversas que não levam a lugar algum, do charme da Lapa, do sanduba de pernil do Bracarense, do Leblon, da cerveja no pé-sujo da esquina, das livrarias e cinemas, de gente famosa que você esbarra em qualquer lugar, de gente anônima como eu, dos que ignoram os tiroteios e balas perdidas e parecem feliz, do estar na moda fingindo não estar, enfim de tudo que nos faz gostar tanto do Rio, apesar da estranheza inicial de quem como eu vem de outro canto do país.

Já me sentindo confortada, procurei na paisagem o Cristo Redentor e não consegui vê-lo. De repente, fiquei paralisada?! Ainda influenciada pela enxurrada de tragédias, por um milésimo de segundo, pensei: Será que ele caiu também? Não, ele só não estava visível no horizonte por causa do andaime e telas de proteção das obras de reforma. Ah, bom! Não vê-lo na paisagem do Rio causa uma sensação estranha, é como se de repente, o Rio não fosse mais o Rio. Uma identidade roubada por um batedor de carteira. Sem ele, dá um branco no cenário. Mas foi só um surto momentâneo. O Cristo continua lá de braços bem abertos e me faz sentir privilegiada por ter um Rio de Janeiro no Brasil.
Abril de 2010

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