quinta-feira, 1 de julho de 2010

Linhas Cruzadas


Por Loisa Mavignier
 
Sempre ouvi dizer que pedra que muito rola não cria limo. O dito popular sugere que não criar limo é algo ruim. No entanto, literalmente, limo é um conjunto de algas que cobrem como um tapete verde águas estagnadas ou lugares úmidos; e também pode ser lodo ou lama. Fazendo uma retrospectiva vejo que não criei limo, preferi criar laços, sem dar nós. Embora às vezes me pergunte se criar limo é uma virtude ou um defeito, concluo que a inquietude de colocar o pé na estrada deixou a minha bagagem bem mais interessante de carregar.

Em cada cidade que vivi me empenhei em novas descobertas. Apesar do novo também causar alguns incômodos, sou birrenta, não me dou por vencida facilmente. Como forasteira, enfrentei o bairrismo, estranhei hábitos regionais, olhei bem sua gente, senti suas alegrias e tristezas, me encantei com a cultura, com a beleza da terra, rejeitei e incorporei costumes, fiz amigos, e, como não sou santa, também ganhei alguns desafetos. Depois de tudo isso, não tem jeito, me sinto como cidadã local. Mesmo que só por algum tempo. E por onde andei, é claro, conheci e escrevi muito sobre cada ramificação dessa gente brasileira.

As linhas são cruzadas de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Muda a geografia, o sotaque, os costumes, mas os anseios do povo são os mesmos. Até os personagens são semelhantes nesses brasis do Brasil. Sabe aquelas figuras folclóricas que toda cidade tem? 

Nessa teia, onde o Brasil parece pequeno - aliás, encontro pessoas que conheci em outros cantos do país nos lugares mais inesperados - lá pelos idos dos anos 90 cobri como repórter de televisão uma operação especial dos Fuzileiros Navais no pantanal de Corumbá (MS). A novidade era o helicóptero Cougar, de transporte tático de tropas, da Base AeroNaval de São Pedro da Aldeia. Uma supermáquina lotada de militares prontos para a “guerra” na qual tive o privilégio de sobrevoar a região pantaneira e gravar o treinamento na mata. Embora já tivesse vivido um bom tempo no Rio de Janeiro nunca tinha ouvido falar na tal cidade, que, à época, o piloto enfatizara tanto a importância para aviação da Marinha do Brasil. E não prestei muita atenção nela, meu foco era a missão militar.

Passados 15 anos e muitas reportagens depois, quem diria, caí de paraquedas exatamente na até então desconhecida São Pedro da Aldeia. Hoje o treinamento com Cougar e também aviões caças da Marinha fazem parte do meu cotidiano. Sobrevoam a minha cabeça habitualmente fazendo um barulho infernal. Até aceno pra eles da varanda de casa. De repente, não mais que de repente, sou munícipe da cidade descrita por aquele piloto, onde nunca imaginei viver um dia. 

Curto o verão me banhando numa das maiores lagoas hipersalinas com espelho d’água permanente do mundo e brigo pela sua preservação, me delicio com camarão fresco e tainha assada na brasa, critico os maus políticos, me divirto com as fofocas locais(às vezes eu sou o alvo, viu como já faço parte da comunidade), vou à procissão do padroeiro São Pedro, me sinto invadida na alta temporada turística com o excesso de visitantes, enfim, sou quase aldeense. Pelo menos, até que a inquietude pegue a estrada, outra vez, de volta pra casa. O inusitado da vida, que não cria limo, nem aperta os nós. Prefere lavar a pedra e levar na bagagem as lembranças da passagem. Ora com saudades, ora com alívio. Mas, com certeza, fica sempre a alegria pelos amigos conquistados, as dificuldades vencidas, e um enorme prazer pelo conhecimento adquirido.

2 comentários:

  1. Adorei o texto, Lolo! Também sou um pouco como você, embora um pouco mais resistente às mudanças. Mas quando estou num lugar, procuro gostar, me adaptar.

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  2. Oi Lolo,
    Acabei de conversar com Monica sobre o seu blog e vim checa-lo. Adorei. Nao sabia que voce tinha um blog. Acho que somos todas viajantes, carregando nas nossas costas nossos sonhos e lembrancas.
    Abracos,
    Bernadete

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