quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Medicalização da tristeza

" A gente enverga mas não quebra"

Por Loisa Mavignier

No texto “O homem não aceita mais ficar triste” o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, 70 anos, comenta o exagero da sociedade contemporânea com medicamentos no trato de suas emoções. Ao ler a entrevista, assinada por Adriana Prado, reforcei a teoria de que no mundo atual até o estado de espírito está mais artificial. As pessoas parecem ter perdido a habilidade de lidar com seus próprios sentimentos. Perdi a conta de quantas vezes por dia ouço alguém dizer que está deprimida ou fulano está com depressão. É a síndrome da patologia mental. Não ignorando as transformações provocadas pelo ritmo acelerado de vida e das necessidades das pessoas realmente doentes – nenhum sentimento parece mais ser normal.

Se vc ri ou se diverte demais, está descontrolado ou com distúrbio de comportamento. Isso pode ser depressão. Deve procurar terapia. Se está triste ou decepcionada, está deprimida. Se prefere ficar mais na sua, tem problemas de relacionamento interpessoal ou fobia social. Deve procurar terapia. Se estiver revoltado, mais irritado do que o habitual, ou mal-humorado pelas intempéries da vida, está agressivo. É aconselhado a procurar um psiquiatra. As crianças danadas por natureza hoje são rotuladas indiscriminadamente de hiperativas e encaminhadas aos psicólogos. Não se leva mais em conta o temperamento das pessoas. Parece que tudo virou doença e tem pílula pra tudo, até para viciados em games, como uma desenvolvida no Japão. E dê-lhe antidepressivos de todas as cores.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a depressão será a doença mais comum no mundo em 2030, e hoje, cerca de 121 milhões de pessoas sofrem do problema. Para Chalub, professor das Universidades Federal e Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) e (UERJ), há um exagero nessas contas, até mesmo pela banalização daquilo que de fato é depressão: a tristeza patológica, prolongada e acompanhada de outros sintomas. O que está ocorrendo é a “medicalização da tristeza”, do tédio, da frustração e outros estados comuns a nossa condição humana. Essas emoções fazem a gente dar uma envergada de vez em quando, mas nada que nos impeça de voltar a ficar eretos outra vez. O velho dito popular diz com muita sabedoria: a gente enverga mas não quebra.

Até porque considero inerente ao ser humano tentar se preservar se algo lhe faz ou pode lhe fazer mal. Você sente muita raiva em determinado momento, mas não irá viver irado para sempre, do contrário terá um infarte; insatisfeito por um tempo, até encontrar um meio de ficar satisfeito; triste por alguma coisa, mas um belo dia acorda e percebe que está contente de novo. A nuvem escura foi levada pelo vento. Se estiver se afogando vai tentar nadar, é lógico!! Na onda do antidepressivo, muitos optaram por não sentir qualquer tipo de sofrimento. A fórmula é: tomo a pílula e fico sempre feliz. Fácil, né?!

Sim, a doença depressão existe. Conheço pessoas que sofrem com isso e de fato precisaram de ajuda e tratamento médico. Outros transtornos mentais também são reais e sabemos disso. Em determinado momento, também já me rendi à idéia de “é coisa dos tempos”, e tive a impressão de que muito mais gente do que parece apresentava distúrbios mentais ou de comportamento. No entanto, quando percebemos além da casca,  fica claro o desamparo e a solidão de alguns, a falta de amor de outros, o fracasso profissional e os problemas financeiros de muitos, a inflexibilidade diante das diferenças que temos de enfrentar todos os dias, enfim... as dificuldades normais de quem vive no planeta Terra.

Aí, concordo com o psiquiatra sobre a vulgarização da doença. Percebo que a grande maioria das pessoas que se autorrotula depressiva e recorre à pílula da felicidade, quer na verdade amortecer esses sentimentos e se recusa a lidar com problemas. Sabe-se que a depressão está ligada ao mecanismo da serotonina e outras substâncias em nosso cérebro, mas até mesmo para a medicina ela ainda tem seus mistérios. Entretanto, perder o emprego, o amor de sua vida, vivenciar a morte de alguém da família, ou qualquer outra situação emocional desconfortável e dolorosa não deixará de ser realidade com um remedinho. Segundo Chalub, hoje existe uma tendência de achar que o remédio irá corrigir qualquer distorção humana. Ele avalia que, na busca da felicidade, é mais fácil dizer: “Eu não sou feliz porque estou doente, e não porque fiz opções erradas”. Diz ainda que felicidade também é ficar triste de vez em quando.

Em momentos difícies da minha vida já fui aconselhada a tomar antidepressivos. Resisti bravamente. Prefiro me manter no mundo real, sem pílulas que prometem dourar a vida. Exige um pouco mais de sacrifício e causa alguma dor, mas nada que não possa suportar. Se me sentir doente algum dia vou procurar um médico, sem pestanejar. Por enquanto, prefiro superar com minhas próprias forças e de forma mais natural as situações desagradáveis que a vida nos impõe. Desabafando minhas insatisfações num ombro amigo, chorando quando tenho que chorar, sentindo raiva quando tenho que sentir, brigando pelo que acho correto, reconhecendo limitações, revendo erros, buscando acertos, e sorrindo quando me sinto bem comigo e com o outro. Aliás, vale ressaltar que hoje faz um lindo dia de sol. Se amanhã vier uma tempestade, abro o guarda-chuva, depois  me abrigo num edredom bem macio no escurinho do meu quarto. Na manhã seguinte, o sol brilhará novamente, sem antidrepressivo, tenho certeza!! Nossa, me deu certa angústia... será que eu estou fora de moda? Acho que vou procurar um terapeuta.

Um comentário:

  1. Que bom que você está de volta!
    Concordo com o que você falou e também vejo com reserva esses exageros. A tristeza faz parte da vida e eu, de vez em quando, reivindico meu direito à tristeza sem ser tachada de "depressiva". O problema é que a gente - principalmente, nós, mulherees - cresceu achando que ia ter um "felizes para sempre". Não tem.

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