segunda-feira, 27 de junho de 2011

O tempo

por Loisa Mavignier

Abri os olhos ouvindo os gritos das araras. Lindos pássaros azuis de barriga amarela me davam as boas vindas. Só então percebi que adormeci na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, e acordei quase nove anos depois em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Não mais que de repente, é tudo diferente, de novo. Algo como despertar de um sonho que já tive. Desta vez, em 3D. No lugar do mar, os córregos urbanizados cercados por grandes avenidas; as ruas estreitas com tráfego confuso e gente descomplicada, agora são vias largas, arborizadas e de tráfego intenso. No convívio não tem mais a Graça, Kátia, Marcão, Adriana, André, Mezinho, Fábio, Cox, Paulinha, e sim, Proença, Monica, Stoll, Denise, Celso, Renato, Fafá e tantos outros afetos que um dia deixei por aqui.
Não vejo mais os corpos bronzeados e semi-despidos circulando a beira-mar, aquela gente simples e dançante, nem ouço os uivantes ventos sudoestes zunindo nos meus ouvidos. As festas ao redor da igreja construída pelos jesuítas, as confortáveis havaianas nos pés de quase todo mundo, o estilo charmoso e único, meio superficial, do carioca, também se foram. Pelas ruas encontro pessoas super vestidas,encasacadas, comedidas, quase disfarçadas, embora cordiais. Deparo com shoppings, rodoviária com jeitão de aeroporto, bares, restaurantes e lojas elegantes, e algo me remete a Caetano Veloso, cantarolando “a deselegância discreta de suas meninas”.
O camarão, a lula e o marisco até então comprados fresquinhos no mercado do peixe, a cervejinha depois da praia, hoje amanheceram congelados e deram lugar às chipas, aos queijos e vinhos dos grandes supermercados, a um frio de tremer nas bases, aos churrascos e encontros intimistas entre amigos.
Minha cabeça antes encharcada pela lagoa Araruama, pelos mares azuis de areias branquinhas, pela política e costumes fluminenses, que, por um tempo, também foram os meus, numa piscada, se inundou do córrego Segredo, dos rios Paraguai e Taquari, de pantanal, de chamamé(música paraguaia), de feiras bolivianas, do Parque das Nações Indígenas, da construção do maior aquário de peixes de água doce do mundo, de araras coloridas.
Tantos anos separam essa transição e é tudo tão igual, ao mesmo tempo tão novo na minha velha nova vida. É confortante andar pela cidade, ler os jornais regionais, me surpreender com coisas que conheço tão bem, admirar o crescimento ordenado da Capital, o lado pitoresco do mercadão, das índias vendendo milho, pequi, mandioca, palmito guariroba, comer sobá na feira dos japoneses, tomar tereré. Reencontrar gente que não parece perceber que tanto tempo se passou. Tudo parece ter sido no dia anterior, e não, há quase 3.285 dias. Tempo em que me transportei para outra história, outra cultura, outros amigos (dos quais, aliás, sinto muita saudade).
Aí, me perguntei: quem é o tempo sem mim? Quem é o tempo sem as minhas alegrias, tristezas, criações, conflitos, conhecimento, amizades, desafetos, perdas e ganhos. Enfim, quem é o tempo sem as minhas emoções? Quem é o tempo sem o nosso sentir?
Concluo que o tempo é inexistente. Eu sou o tempo com meus pensamentos correndo desvairados atrás do tempo. Às vezes, achando que ele se foi. Mas ele está aí do mesmo jeito: estático, embora não possa vê-lo. Quero pegar o tempo, e tenho a impressão que o perdi. O tempo não me julga, apesar do seu jeito de inquisição. Eu julgo o tempo. Eu, você, nós somos o tempo. O tempo não tem rosto, nem gosto, nem marcas. O tempo não existe. O doce e bucólico bater das ondas do mar, o voo das garças, as tainhas pulando na lagoa ficaram para trás, o agora, é uma cidade banhada de luz, é o privilégio de ver todos os dias, araras encantadoras, fazendo o maior alarde no seu tempo certo de ir e vir.












Fotos paisagens:
Loisa Mavignier
Fotos Araras: autor desconhecido

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Transição

Amigos, perdoem minha ausência temporária. Estou em trânsito. Ou será em transe?! Assim que retornar  para o planeta terra  terei imenso prazer em tê-los sempre como meus leitores. Não me abandonem. Até breve! Um grande abraço, Loisa Mavignier

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Medicalização da tristeza

" A gente enverga mas não quebra"

Por Loisa Mavignier

No texto “O homem não aceita mais ficar triste” o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, 70 anos, comenta o exagero da sociedade contemporânea com medicamentos no trato de suas emoções. Ao ler a entrevista, assinada por Adriana Prado, reforcei a teoria de que no mundo atual até o estado de espírito está mais artificial. As pessoas parecem ter perdido a habilidade de lidar com seus próprios sentimentos. Perdi a conta de quantas vezes por dia ouço alguém dizer que está deprimida ou fulano está com depressão. É a síndrome da patologia mental. Não ignorando as transformações provocadas pelo ritmo acelerado de vida e das necessidades das pessoas realmente doentes – nenhum sentimento parece mais ser normal.

Se vc ri ou se diverte demais, está descontrolado ou com distúrbio de comportamento. Isso pode ser depressão. Deve procurar terapia. Se está triste ou decepcionada, está deprimida. Se prefere ficar mais na sua, tem problemas de relacionamento interpessoal ou fobia social. Deve procurar terapia. Se estiver revoltado, mais irritado do que o habitual, ou mal-humorado pelas intempéries da vida, está agressivo. É aconselhado a procurar um psiquiatra. As crianças danadas por natureza hoje são rotuladas indiscriminadamente de hiperativas e encaminhadas aos psicólogos. Não se leva mais em conta o temperamento das pessoas. Parece que tudo virou doença e tem pílula pra tudo, até para viciados em games, como uma desenvolvida no Japão. E dê-lhe antidepressivos de todas as cores.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a depressão será a doença mais comum no mundo em 2030, e hoje, cerca de 121 milhões de pessoas sofrem do problema. Para Chalub, professor das Universidades Federal e Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) e (UERJ), há um exagero nessas contas, até mesmo pela banalização daquilo que de fato é depressão: a tristeza patológica, prolongada e acompanhada de outros sintomas. O que está ocorrendo é a “medicalização da tristeza”, do tédio, da frustração e outros estados comuns a nossa condição humana. Essas emoções fazem a gente dar uma envergada de vez em quando, mas nada que nos impeça de voltar a ficar eretos outra vez. O velho dito popular diz com muita sabedoria: a gente enverga mas não quebra.

Até porque considero inerente ao ser humano tentar se preservar se algo lhe faz ou pode lhe fazer mal. Você sente muita raiva em determinado momento, mas não irá viver irado para sempre, do contrário terá um infarte; insatisfeito por um tempo, até encontrar um meio de ficar satisfeito; triste por alguma coisa, mas um belo dia acorda e percebe que está contente de novo. A nuvem escura foi levada pelo vento. Se estiver se afogando vai tentar nadar, é lógico!! Na onda do antidepressivo, muitos optaram por não sentir qualquer tipo de sofrimento. A fórmula é: tomo a pílula e fico sempre feliz. Fácil, né?!

Sim, a doença depressão existe. Conheço pessoas que sofrem com isso e de fato precisaram de ajuda e tratamento médico. Outros transtornos mentais também são reais e sabemos disso. Em determinado momento, também já me rendi à idéia de “é coisa dos tempos”, e tive a impressão de que muito mais gente do que parece apresentava distúrbios mentais ou de comportamento. No entanto, quando percebemos além da casca,  fica claro o desamparo e a solidão de alguns, a falta de amor de outros, o fracasso profissional e os problemas financeiros de muitos, a inflexibilidade diante das diferenças que temos de enfrentar todos os dias, enfim... as dificuldades normais de quem vive no planeta Terra.

Aí, concordo com o psiquiatra sobre a vulgarização da doença. Percebo que a grande maioria das pessoas que se autorrotula depressiva e recorre à pílula da felicidade, quer na verdade amortecer esses sentimentos e se recusa a lidar com problemas. Sabe-se que a depressão está ligada ao mecanismo da serotonina e outras substâncias em nosso cérebro, mas até mesmo para a medicina ela ainda tem seus mistérios. Entretanto, perder o emprego, o amor de sua vida, vivenciar a morte de alguém da família, ou qualquer outra situação emocional desconfortável e dolorosa não deixará de ser realidade com um remedinho. Segundo Chalub, hoje existe uma tendência de achar que o remédio irá corrigir qualquer distorção humana. Ele avalia que, na busca da felicidade, é mais fácil dizer: “Eu não sou feliz porque estou doente, e não porque fiz opções erradas”. Diz ainda que felicidade também é ficar triste de vez em quando.

Em momentos difícies da minha vida já fui aconselhada a tomar antidepressivos. Resisti bravamente. Prefiro me manter no mundo real, sem pílulas que prometem dourar a vida. Exige um pouco mais de sacrifício e causa alguma dor, mas nada que não possa suportar. Se me sentir doente algum dia vou procurar um médico, sem pestanejar. Por enquanto, prefiro superar com minhas próprias forças e de forma mais natural as situações desagradáveis que a vida nos impõe. Desabafando minhas insatisfações num ombro amigo, chorando quando tenho que chorar, sentindo raiva quando tenho que sentir, brigando pelo que acho correto, reconhecendo limitações, revendo erros, buscando acertos, e sorrindo quando me sinto bem comigo e com o outro. Aliás, vale ressaltar que hoje faz um lindo dia de sol. Se amanhã vier uma tempestade, abro o guarda-chuva, depois  me abrigo num edredom bem macio no escurinho do meu quarto. Na manhã seguinte, o sol brilhará novamente, sem antidrepressivo, tenho certeza!! Nossa, me deu certa angústia... será que eu estou fora de moda? Acho que vou procurar um terapeuta.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

As eleições


Por Loisa Mavignier

Eles estão em toda parte. Acordo com carro de som anunciando as virtudes de candidatos a deputado estadual e federal, governador, senador e presidente. Saio de casa e já dou de cara com dezenas deles. É jingle pra cá e jingle pra lá. Cabos eleitorais, cartazes e santinhos pra todo lado, inclusive, nos lugares mais impróprios. A cidade está escondida atrás dos imensos cartazes de candidatos. Muitos dos que estampam a sua melhor pose nas propagandas são velhas raposas da política fluminense; outros, nunca vi e nem ouvi falar. Entretanto, todos, sem exceção, se apresentam como o melhor amigo do município, desde criancinha. São do povo, pelo povo e para o povo. 

A guerra está deflagrada. Uns querendo subir de posto, outros tentando se eleger pela primeira vez, e alguns, bem mais escolados, querem ser reeleitos a qualquer custo. Na disputa pelo voto vale tudo: tapinha nas costas, abraços e apertos de mão sem nem olhar pro seu rosto, tomar cafezinho na casa de pobre, conseguir uma consulta médica pra um, a velha dentadura pra outro, um caixão para alguém que morreu, encher ônibus de "eleitores" para lotar reuniões e comícios e mostrar como são adorados, lotear cargos e apoios futuros para vereadores e prefeitos, ser solícito e sempre ter na cara um sorriso impostado. Todos ávidos por votos. E os eleitores em volta como moscas no mel. A impressão é que época de campanha eleitoral é um momento de "corrupção" generalizada. O candidato tentando corromper o eleitor, com promessas que sabemos quase nunca são cumpridas, e o eleitor querendo ser corrompido, seja pegando um bico na campanha, negociando trabalho futuro, ou qualquer outro tipo de benesses na chamada moeda de troca eleitoral.

É a festa da democracia. Uma democracia tão recente e já tem o seu lado enfadonho, o de já vi esse filme. É um replay em todas as eleições. Mesmo assim, queremos acreditar num final surpreendente e feliz. Em meio a tantas bandeiras, o eleitor entra na festa e escolhe o seu caminho, sentindo que, no momento, tem poder, ele é quem dá as cartas. Passadas as eleições tudo volta a ser como antes. Os eleitos são coroados e seguem para a Corte, e o povo continua o plebeu de sempre. É mais fácil o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad receber uma feminista norte-americana com todas as honras, do que um cidadão comum ter acesso a um candidato, depois de eleito.

No lançamento de uma campanha de um candidato a deputado federal no município, fiquei impressionada com tudo que ele prometeu fazer pela cidade, se reeleito, é claro! Olha que ele já teve tempo de sobra para fazer tudo isso depois de tantos mandatos: o município se transformará num canteiro de obras, como nunca se viu antes, os empregos choverão e todo mundo ficará mais feliz!! Exageros e mentiras à parte, depois  de outubro, a indignação tomará conta do povo de novo, até os próximos pleitos. Quando tudo, outra vez, acontecerá do mesmo jeito.

Ao ler o texto “Agosto, mês do cachorro louco” no blog da jornalista Marta Baptista - o Cá entre nós - onde ela também cita a poluição visual gerada pelas eleições em Cuiabá-MT, o deboche de alguns candidatos e a descrença de um amigo dela nos Fichas Limpas, que ele supõe, poderão se tornar fichas sujas por imposição do sistema do "toma lá, dá cá" da política nacional, fiquei pensando nesse climão eleitoral do Oiapoque ao Chuí. Estou a mais de dois mil quilômetros da Marta e tudo é tão igual lá e cá. Decididamente, não consigo entender o eleitor brasileiro, mas acredito na banda boa do eleitorado e de alguns poucos candidatos.

A história já mostrou que o exercício democrático leva inevitavelmente à evolução política e social. Um dia a gente chega lá. Quando isso acontecer não precisaremos mais ter uma lei contra os ficha sujas, eleitos e reeleitos por seus seguidores, apesar do vertiginoso enriquecimento e dos escândalos que pipocam o tempo todo na mídia nacional. A Lei Complementar 135/10 (da Ficha Limpa) já tirou da corrida eleitoral definitivamente 19 candidatos, sem possibilidade de recursos. À eles somam-se outros 169 registros indeferidos até agora pelos Tribunais nos estados. É pouco, mas é o começo. Pra citar um exemplo de como são poucos aqueles que se comprometem com a ética e a transparência dos seus atos na política, o site do ficha limpa  http://www.fichalimpa.org.br/ , até agora, só tem 34 candidatos inscritos, dos milhares que estão tentando se eleger por aí. No site só podem estar candidatos que não possuem condenação por órgão colegiado e que nunca tenham renunciado a cargo eletivo para evitar cassação.

Além disso, eles têm de prestar semanalmente as contas da campanha eleitoral. Ou seja, o famigerado Caixa 2, nem pensar. A iniciativa do site da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci) com apoio do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), parece não estar vingando. Afinal, quase ninguém está disposto a mostrar a sua cara, fora dos cartazes retocados a photoshop. Mas o candidato ao governo do Rio, Fernando Paulo Nagle Gabeira (PV), o Gabeira,  está lá. Quem não deve, não teme. É isso aí candidato, mostre a sua cara!!! Se puder...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A engrenagem

Por Loisa Mavignier



Numa reunião entre amigos, uma conhecida, disparou: vcs já imaginaram a vida sem xerox? Sem fax? Sem internet? Impensável, não é? Vendo as reportagens sobre desastres provocados por aquelas enchentes no Nordeste, onde as pessoas ficaram sem água, luz, hospital, escola, transporte, comida, telefone, internet, e até sem casa, fiquei imaginando como seria voltar no tempo e ter que viver sem todos os confortos da vida contemporrânea. Todas essas coisas com as quais convivemos de forma automática, sem perceber a grande engrenagem que move tudo isso. Tremi só de pensar na possibilidade dela falhar um dia. Essa mesma pessoa, funcionária da UNB, lembrou-se ainda do dia que um colega de trabalho contou a ela que a universidade havia recebido um aparelho sensacional, que copiava tudo, até sua mão. Era xerox!! À época, a mais avançada tecnologia para facilitar a vida das pessoas. Até então, cópias só com carbono. E isso não faz tempo tanto assim. Dia-a-dia fomos incorporando essas ferramentas em nosso cotidiano e não sabemos mais viver sem elas.

No final dos anos 80, o jornal Correio do Estado, onde eu trabalhava, num fim de semana, trocou as velhas máquinas de escrever por computadores. Na segunda-feira, chegamos na redação e levamos um susto!! O editor-chefe fez questão de nos aterrorizar com a ameaça: “Quem não se adaptar ao computador será demitido”. Nos primeiros contatos parecíamos bichos-do-mato, olhando a novidade com curiosidade e também um certo temor. Passamos muitos apertos. Tivemos que conhecer a máquina na marra e, durante o aprendizado, para desespero dos redatores, era um tal de bater na tecla errada e sumir o texto quase na hora do fechamento do jornal. Também levei muitas broncas pelo vigor com que digitava os teclados. Colocava a mesma força nos dedos que usava para escrever à máquina, e foi difícil controlar o hábito da mão pesada.

Hoje acho que sofro do mal da velocidade. Até pelo hábito da profissão rastreio todos os sites de notícias várias vezes por dia. Leio os jornais impressos e chego ao cúmulo de correr da sala para o quarto para tentar assistir na televisão dois jornais ao mesmo tempo, um regional e outro nacional. Consulto meu email o tempo todo. Estou no blog, orkut, facebook e twitter. Se estou no computador fico pensando que estou perdendo algo na TV, e ainda mantenho sempre o rádio ligado. Ao me dar conta dessa compulsão pela informação, comecei a achar que é hora de desacelerar. A peneirar e aliviar minha mente da enxurrada de notícias que não me acrescentam nada. Apesar de tudo, não perdi o senso crítico. 

Me pergunto a quem interessa, por exemplo, saber que a Geisy Arruda, aquela do vestido curto na universidade, colocou silicone nos seios e foi à boate usando um vestido vermelho? Ou o que a filha da Xuxa pensa sobre a vida? Ou ainda que um ex-BB foi almoçar num restaurante japonês? Essas manchetes estão estampadas nos jornais e revistas como se fossem a descoberta para a cura da AIDS. Pois é, fico pensando nos meus coleguinhas  jornalistas que têm que escrever sobre isso. E o pior, em quem lê tais notícias. Embora só leia os textos de meu interesse nos jornais, não posso evitar de ouvir e ver as chamadas das matérias e os lides, e aquilo já fica gravado, poluindo a minha pobre massa encefálica, já tão sobrecarregada.

Numa parada, tento reviver as sensações da infância. Quando não existia TV, celular, computador, internet, email, e a energia elétrica era limitada. Após o jantar, as famílias se reuniam nas calçadas para conversar, enquanto as crianças brincavam. A informação era assimilada lentamente. Nossa, já senti um certo tédio!!! Quando a TV chegou à minha cidade, a imagem era horrível, mesmo assim, fascinava. O telefone era outra coisa horrorosa, era preciso aguardar horas por um interurbano, que só era feito pela telefonista; e para falar e ser ouvido a pessoa tinha que gritar. De lá pra cá tudo aconteceu muito rápido. E gostamos das mudanças. Não sou nostálgica e adoro o urbano, o moderno, o tecnológico. Não sinto saudades daquele tempo. Afinal, como vou viver sem meu celular e o meu computador? Sofro só de imaginar ficar sem eles. Mas também acho que é chegada a hora de repensar as nossas reais necessidades. Nunca se sabe quando a natureza vai aprontar das suas, e essa engrenagem, que parece indestrutível, falhar.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Linhas Cruzadas


Por Loisa Mavignier
 
Sempre ouvi dizer que pedra que muito rola não cria limo. O dito popular sugere que não criar limo é algo ruim. No entanto, literalmente, limo é um conjunto de algas que cobrem como um tapete verde águas estagnadas ou lugares úmidos; e também pode ser lodo ou lama. Fazendo uma retrospectiva vejo que não criei limo, preferi criar laços, sem dar nós. Embora às vezes me pergunte se criar limo é uma virtude ou um defeito, concluo que a inquietude de colocar o pé na estrada deixou a minha bagagem bem mais interessante de carregar.

Em cada cidade que vivi me empenhei em novas descobertas. Apesar do novo também causar alguns incômodos, sou birrenta, não me dou por vencida facilmente. Como forasteira, enfrentei o bairrismo, estranhei hábitos regionais, olhei bem sua gente, senti suas alegrias e tristezas, me encantei com a cultura, com a beleza da terra, rejeitei e incorporei costumes, fiz amigos, e, como não sou santa, também ganhei alguns desafetos. Depois de tudo isso, não tem jeito, me sinto como cidadã local. Mesmo que só por algum tempo. E por onde andei, é claro, conheci e escrevi muito sobre cada ramificação dessa gente brasileira.

As linhas são cruzadas de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Muda a geografia, o sotaque, os costumes, mas os anseios do povo são os mesmos. Até os personagens são semelhantes nesses brasis do Brasil. Sabe aquelas figuras folclóricas que toda cidade tem? 

Nessa teia, onde o Brasil parece pequeno - aliás, encontro pessoas que conheci em outros cantos do país nos lugares mais inesperados - lá pelos idos dos anos 90 cobri como repórter de televisão uma operação especial dos Fuzileiros Navais no pantanal de Corumbá (MS). A novidade era o helicóptero Cougar, de transporte tático de tropas, da Base AeroNaval de São Pedro da Aldeia. Uma supermáquina lotada de militares prontos para a “guerra” na qual tive o privilégio de sobrevoar a região pantaneira e gravar o treinamento na mata. Embora já tivesse vivido um bom tempo no Rio de Janeiro nunca tinha ouvido falar na tal cidade, que, à época, o piloto enfatizara tanto a importância para aviação da Marinha do Brasil. E não prestei muita atenção nela, meu foco era a missão militar.

Passados 15 anos e muitas reportagens depois, quem diria, caí de paraquedas exatamente na até então desconhecida São Pedro da Aldeia. Hoje o treinamento com Cougar e também aviões caças da Marinha fazem parte do meu cotidiano. Sobrevoam a minha cabeça habitualmente fazendo um barulho infernal. Até aceno pra eles da varanda de casa. De repente, não mais que de repente, sou munícipe da cidade descrita por aquele piloto, onde nunca imaginei viver um dia. 

Curto o verão me banhando numa das maiores lagoas hipersalinas com espelho d’água permanente do mundo e brigo pela sua preservação, me delicio com camarão fresco e tainha assada na brasa, critico os maus políticos, me divirto com as fofocas locais(às vezes eu sou o alvo, viu como já faço parte da comunidade), vou à procissão do padroeiro São Pedro, me sinto invadida na alta temporada turística com o excesso de visitantes, enfim, sou quase aldeense. Pelo menos, até que a inquietude pegue a estrada, outra vez, de volta pra casa. O inusitado da vida, que não cria limo, nem aperta os nós. Prefere lavar a pedra e levar na bagagem as lembranças da passagem. Ora com saudades, ora com alívio. Mas, com certeza, fica sempre a alegria pelos amigos conquistados, as dificuldades vencidas, e um enorme prazer pelo conhecimento adquirido.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Confessando o inconfessável


Por Loisa Mavignier

Que me perdoem os aficcionados por futebol e, antes de tudo, saibam que sou patriota. Copa do Mundo 2010. Multidões Brasil afora enlouquecidas com seus ídolos correndo atrás da bola e medindo forças e técnicas com os melhores jogadores do mundo. Milhões de pessoas em êxtase!! Até aí, tudo normal. O estranho é me sentir a estranha no ninho. E sempre foi assim. Não consigo respirar futebol, me transformar numa foliã e sair por aí gritando, dançando e pulando a cada partida, num carnaval fora de época. Mas acho intrigante e divertido observar a disposição massificada das torcidas, de longe.

Conheço gente que teve até infarto em dia de jogo. Casamentos desfeitos porque o marido não saía de casa em dia de copa, copinha ou copona, nem com alerta de Tsunami. E gente que fica dando patadas no ar se o seu time perde. Ufa, é futebol o ano todo. Antes que queiram me linchar, vale ressaltar que amo o meu Brasil com todas as suas contradições. E adoro ser brasileira, tupiniquim mesmo. Mas decidi confessar o inconfessável: não consigo ver uma partida de futebol sem desejar ardentemente estar fazendo outra coisa. A mente começa a divagar por outros campos, menos o do jogo. Copa do Mundo pra mim é o gol e saber que o meu país ganhou. Com isso já me dou por satisfeita.

Sempre perguntei o por que da minha falta de  interesse por algo que todo mundo, com raras exceções, parece entender um pouco e adoraaar... Até que dia desses, vendo um programa de TV na madrugada, me senti menos sozinha. A cantora Zizi Possi também confessou viajar por outras terras além dos campos de futebol na África. Questionada pelo apresentador sobre a Copa do Mundo, respondeu que não tinha uma opinião a dar. Disse que “até viu o jogo porque tinha que ver, a TV estava lá mesmo, e deu aquela torcidinha na hora do gol, mas em determinado momento da partida, dormiu”. A sinceridade dela me serviu de consolo. Passei a não me sentir mais o único ser esquisito da humanidade em relação a futebol. Nunca tive um time e nem torci pra ninguém.

Até existem algumas coisas que atraem a minha atenção no futebol, como por exemplo, o  comportamento de massa e as notícias sobre os jogadores que estão sempre nas paradas de sucesso. Escândalos, romances com modelos (aliás, eles têm uma fixação por elas), separações, salários e pensões milionárias, origens pobres, amizades perigosas, bebedeiras e outras coisas mais, às vezes obscuras, como a violência de algumas torcidas organizadas ou o desvio de um ou outro jogador do BEM do esporte. Mas apesar de minha indiferença à bola em campo, é Copa do Mundo!!! Reconheço o mérito daqueles que conseguem deixar o povo em transe, fazer tanta gente vibrar, sofrer, sonhar e esquecer por algum tempo a vidinha mais ou menos. Aí dou o braço a torcer. Tomo uma cervejinha com os amigos, não grito, mas penso: ( e vale até um chavão) Se é para o bem de todos e para a felicidade geral da Nação... Avante Brasil!! Seja HEXA Campeão!!