quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Transição

Amigos, perdoem minha ausência temporária. Estou em trânsito. Ou será em transe?! Assim que retornar  para o planeta terra  terei imenso prazer em tê-los sempre como meus leitores. Não me abandonem. Até breve! Um grande abraço, Loisa Mavignier

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Medicalização da tristeza

" A gente enverga mas não quebra"

Por Loisa Mavignier

No texto “O homem não aceita mais ficar triste” o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, 70 anos, comenta o exagero da sociedade contemporânea com medicamentos no trato de suas emoções. Ao ler a entrevista, assinada por Adriana Prado, reforcei a teoria de que no mundo atual até o estado de espírito está mais artificial. As pessoas parecem ter perdido a habilidade de lidar com seus próprios sentimentos. Perdi a conta de quantas vezes por dia ouço alguém dizer que está deprimida ou fulano está com depressão. É a síndrome da patologia mental. Não ignorando as transformações provocadas pelo ritmo acelerado de vida e das necessidades das pessoas realmente doentes – nenhum sentimento parece mais ser normal.

Se vc ri ou se diverte demais, está descontrolado ou com distúrbio de comportamento. Isso pode ser depressão. Deve procurar terapia. Se está triste ou decepcionada, está deprimida. Se prefere ficar mais na sua, tem problemas de relacionamento interpessoal ou fobia social. Deve procurar terapia. Se estiver revoltado, mais irritado do que o habitual, ou mal-humorado pelas intempéries da vida, está agressivo. É aconselhado a procurar um psiquiatra. As crianças danadas por natureza hoje são rotuladas indiscriminadamente de hiperativas e encaminhadas aos psicólogos. Não se leva mais em conta o temperamento das pessoas. Parece que tudo virou doença e tem pílula pra tudo, até para viciados em games, como uma desenvolvida no Japão. E dê-lhe antidepressivos de todas as cores.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a depressão será a doença mais comum no mundo em 2030, e hoje, cerca de 121 milhões de pessoas sofrem do problema. Para Chalub, professor das Universidades Federal e Estadual do Rio de Janeiro (UFRJ) e (UERJ), há um exagero nessas contas, até mesmo pela banalização daquilo que de fato é depressão: a tristeza patológica, prolongada e acompanhada de outros sintomas. O que está ocorrendo é a “medicalização da tristeza”, do tédio, da frustração e outros estados comuns a nossa condição humana. Essas emoções fazem a gente dar uma envergada de vez em quando, mas nada que nos impeça de voltar a ficar eretos outra vez. O velho dito popular diz com muita sabedoria: a gente enverga mas não quebra.

Até porque considero inerente ao ser humano tentar se preservar se algo lhe faz ou pode lhe fazer mal. Você sente muita raiva em determinado momento, mas não irá viver irado para sempre, do contrário terá um infarte; insatisfeito por um tempo, até encontrar um meio de ficar satisfeito; triste por alguma coisa, mas um belo dia acorda e percebe que está contente de novo. A nuvem escura foi levada pelo vento. Se estiver se afogando vai tentar nadar, é lógico!! Na onda do antidepressivo, muitos optaram por não sentir qualquer tipo de sofrimento. A fórmula é: tomo a pílula e fico sempre feliz. Fácil, né?!

Sim, a doença depressão existe. Conheço pessoas que sofrem com isso e de fato precisaram de ajuda e tratamento médico. Outros transtornos mentais também são reais e sabemos disso. Em determinado momento, também já me rendi à idéia de “é coisa dos tempos”, e tive a impressão de que muito mais gente do que parece apresentava distúrbios mentais ou de comportamento. No entanto, quando percebemos além da casca,  fica claro o desamparo e a solidão de alguns, a falta de amor de outros, o fracasso profissional e os problemas financeiros de muitos, a inflexibilidade diante das diferenças que temos de enfrentar todos os dias, enfim... as dificuldades normais de quem vive no planeta Terra.

Aí, concordo com o psiquiatra sobre a vulgarização da doença. Percebo que a grande maioria das pessoas que se autorrotula depressiva e recorre à pílula da felicidade, quer na verdade amortecer esses sentimentos e se recusa a lidar com problemas. Sabe-se que a depressão está ligada ao mecanismo da serotonina e outras substâncias em nosso cérebro, mas até mesmo para a medicina ela ainda tem seus mistérios. Entretanto, perder o emprego, o amor de sua vida, vivenciar a morte de alguém da família, ou qualquer outra situação emocional desconfortável e dolorosa não deixará de ser realidade com um remedinho. Segundo Chalub, hoje existe uma tendência de achar que o remédio irá corrigir qualquer distorção humana. Ele avalia que, na busca da felicidade, é mais fácil dizer: “Eu não sou feliz porque estou doente, e não porque fiz opções erradas”. Diz ainda que felicidade também é ficar triste de vez em quando.

Em momentos difícies da minha vida já fui aconselhada a tomar antidepressivos. Resisti bravamente. Prefiro me manter no mundo real, sem pílulas que prometem dourar a vida. Exige um pouco mais de sacrifício e causa alguma dor, mas nada que não possa suportar. Se me sentir doente algum dia vou procurar um médico, sem pestanejar. Por enquanto, prefiro superar com minhas próprias forças e de forma mais natural as situações desagradáveis que a vida nos impõe. Desabafando minhas insatisfações num ombro amigo, chorando quando tenho que chorar, sentindo raiva quando tenho que sentir, brigando pelo que acho correto, reconhecendo limitações, revendo erros, buscando acertos, e sorrindo quando me sinto bem comigo e com o outro. Aliás, vale ressaltar que hoje faz um lindo dia de sol. Se amanhã vier uma tempestade, abro o guarda-chuva, depois  me abrigo num edredom bem macio no escurinho do meu quarto. Na manhã seguinte, o sol brilhará novamente, sem antidrepressivo, tenho certeza!! Nossa, me deu certa angústia... será que eu estou fora de moda? Acho que vou procurar um terapeuta.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

As eleições


Por Loisa Mavignier

Eles estão em toda parte. Acordo com carro de som anunciando as virtudes de candidatos a deputado estadual e federal, governador, senador e presidente. Saio de casa e já dou de cara com dezenas deles. É jingle pra cá e jingle pra lá. Cabos eleitorais, cartazes e santinhos pra todo lado, inclusive, nos lugares mais impróprios. A cidade está escondida atrás dos imensos cartazes de candidatos. Muitos dos que estampam a sua melhor pose nas propagandas são velhas raposas da política fluminense; outros, nunca vi e nem ouvi falar. Entretanto, todos, sem exceção, se apresentam como o melhor amigo do município, desde criancinha. São do povo, pelo povo e para o povo. 

A guerra está deflagrada. Uns querendo subir de posto, outros tentando se eleger pela primeira vez, e alguns, bem mais escolados, querem ser reeleitos a qualquer custo. Na disputa pelo voto vale tudo: tapinha nas costas, abraços e apertos de mão sem nem olhar pro seu rosto, tomar cafezinho na casa de pobre, conseguir uma consulta médica pra um, a velha dentadura pra outro, um caixão para alguém que morreu, encher ônibus de "eleitores" para lotar reuniões e comícios e mostrar como são adorados, lotear cargos e apoios futuros para vereadores e prefeitos, ser solícito e sempre ter na cara um sorriso impostado. Todos ávidos por votos. E os eleitores em volta como moscas no mel. A impressão é que época de campanha eleitoral é um momento de "corrupção" generalizada. O candidato tentando corromper o eleitor, com promessas que sabemos quase nunca são cumpridas, e o eleitor querendo ser corrompido, seja pegando um bico na campanha, negociando trabalho futuro, ou qualquer outro tipo de benesses na chamada moeda de troca eleitoral.

É a festa da democracia. Uma democracia tão recente e já tem o seu lado enfadonho, o de já vi esse filme. É um replay em todas as eleições. Mesmo assim, queremos acreditar num final surpreendente e feliz. Em meio a tantas bandeiras, o eleitor entra na festa e escolhe o seu caminho, sentindo que, no momento, tem poder, ele é quem dá as cartas. Passadas as eleições tudo volta a ser como antes. Os eleitos são coroados e seguem para a Corte, e o povo continua o plebeu de sempre. É mais fácil o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad receber uma feminista norte-americana com todas as honras, do que um cidadão comum ter acesso a um candidato, depois de eleito.

No lançamento de uma campanha de um candidato a deputado federal no município, fiquei impressionada com tudo que ele prometeu fazer pela cidade, se reeleito, é claro! Olha que ele já teve tempo de sobra para fazer tudo isso depois de tantos mandatos: o município se transformará num canteiro de obras, como nunca se viu antes, os empregos choverão e todo mundo ficará mais feliz!! Exageros e mentiras à parte, depois  de outubro, a indignação tomará conta do povo de novo, até os próximos pleitos. Quando tudo, outra vez, acontecerá do mesmo jeito.

Ao ler o texto “Agosto, mês do cachorro louco” no blog da jornalista Marta Baptista - o Cá entre nós - onde ela também cita a poluição visual gerada pelas eleições em Cuiabá-MT, o deboche de alguns candidatos e a descrença de um amigo dela nos Fichas Limpas, que ele supõe, poderão se tornar fichas sujas por imposição do sistema do "toma lá, dá cá" da política nacional, fiquei pensando nesse climão eleitoral do Oiapoque ao Chuí. Estou a mais de dois mil quilômetros da Marta e tudo é tão igual lá e cá. Decididamente, não consigo entender o eleitor brasileiro, mas acredito na banda boa do eleitorado e de alguns poucos candidatos.

A história já mostrou que o exercício democrático leva inevitavelmente à evolução política e social. Um dia a gente chega lá. Quando isso acontecer não precisaremos mais ter uma lei contra os ficha sujas, eleitos e reeleitos por seus seguidores, apesar do vertiginoso enriquecimento e dos escândalos que pipocam o tempo todo na mídia nacional. A Lei Complementar 135/10 (da Ficha Limpa) já tirou da corrida eleitoral definitivamente 19 candidatos, sem possibilidade de recursos. À eles somam-se outros 169 registros indeferidos até agora pelos Tribunais nos estados. É pouco, mas é o começo. Pra citar um exemplo de como são poucos aqueles que se comprometem com a ética e a transparência dos seus atos na política, o site do ficha limpa  http://www.fichalimpa.org.br/ , até agora, só tem 34 candidatos inscritos, dos milhares que estão tentando se eleger por aí. No site só podem estar candidatos que não possuem condenação por órgão colegiado e que nunca tenham renunciado a cargo eletivo para evitar cassação.

Além disso, eles têm de prestar semanalmente as contas da campanha eleitoral. Ou seja, o famigerado Caixa 2, nem pensar. A iniciativa do site da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci) com apoio do Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE), parece não estar vingando. Afinal, quase ninguém está disposto a mostrar a sua cara, fora dos cartazes retocados a photoshop. Mas o candidato ao governo do Rio, Fernando Paulo Nagle Gabeira (PV), o Gabeira,  está lá. Quem não deve, não teme. É isso aí candidato, mostre a sua cara!!! Se puder...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A engrenagem

Por Loisa Mavignier



Numa reunião entre amigos, uma conhecida, disparou: vcs já imaginaram a vida sem xerox? Sem fax? Sem internet? Impensável, não é? Vendo as reportagens sobre desastres provocados por aquelas enchentes no Nordeste, onde as pessoas ficaram sem água, luz, hospital, escola, transporte, comida, telefone, internet, e até sem casa, fiquei imaginando como seria voltar no tempo e ter que viver sem todos os confortos da vida contemporrânea. Todas essas coisas com as quais convivemos de forma automática, sem perceber a grande engrenagem que move tudo isso. Tremi só de pensar na possibilidade dela falhar um dia. Essa mesma pessoa, funcionária da UNB, lembrou-se ainda do dia que um colega de trabalho contou a ela que a universidade havia recebido um aparelho sensacional, que copiava tudo, até sua mão. Era xerox!! À época, a mais avançada tecnologia para facilitar a vida das pessoas. Até então, cópias só com carbono. E isso não faz tempo tanto assim. Dia-a-dia fomos incorporando essas ferramentas em nosso cotidiano e não sabemos mais viver sem elas.

No final dos anos 80, o jornal Correio do Estado, onde eu trabalhava, num fim de semana, trocou as velhas máquinas de escrever por computadores. Na segunda-feira, chegamos na redação e levamos um susto!! O editor-chefe fez questão de nos aterrorizar com a ameaça: “Quem não se adaptar ao computador será demitido”. Nos primeiros contatos parecíamos bichos-do-mato, olhando a novidade com curiosidade e também um certo temor. Passamos muitos apertos. Tivemos que conhecer a máquina na marra e, durante o aprendizado, para desespero dos redatores, era um tal de bater na tecla errada e sumir o texto quase na hora do fechamento do jornal. Também levei muitas broncas pelo vigor com que digitava os teclados. Colocava a mesma força nos dedos que usava para escrever à máquina, e foi difícil controlar o hábito da mão pesada.

Hoje acho que sofro do mal da velocidade. Até pelo hábito da profissão rastreio todos os sites de notícias várias vezes por dia. Leio os jornais impressos e chego ao cúmulo de correr da sala para o quarto para tentar assistir na televisão dois jornais ao mesmo tempo, um regional e outro nacional. Consulto meu email o tempo todo. Estou no blog, orkut, facebook e twitter. Se estou no computador fico pensando que estou perdendo algo na TV, e ainda mantenho sempre o rádio ligado. Ao me dar conta dessa compulsão pela informação, comecei a achar que é hora de desacelerar. A peneirar e aliviar minha mente da enxurrada de notícias que não me acrescentam nada. Apesar de tudo, não perdi o senso crítico. 

Me pergunto a quem interessa, por exemplo, saber que a Geisy Arruda, aquela do vestido curto na universidade, colocou silicone nos seios e foi à boate usando um vestido vermelho? Ou o que a filha da Xuxa pensa sobre a vida? Ou ainda que um ex-BB foi almoçar num restaurante japonês? Essas manchetes estão estampadas nos jornais e revistas como se fossem a descoberta para a cura da AIDS. Pois é, fico pensando nos meus coleguinhas  jornalistas que têm que escrever sobre isso. E o pior, em quem lê tais notícias. Embora só leia os textos de meu interesse nos jornais, não posso evitar de ouvir e ver as chamadas das matérias e os lides, e aquilo já fica gravado, poluindo a minha pobre massa encefálica, já tão sobrecarregada.

Numa parada, tento reviver as sensações da infância. Quando não existia TV, celular, computador, internet, email, e a energia elétrica era limitada. Após o jantar, as famílias se reuniam nas calçadas para conversar, enquanto as crianças brincavam. A informação era assimilada lentamente. Nossa, já senti um certo tédio!!! Quando a TV chegou à minha cidade, a imagem era horrível, mesmo assim, fascinava. O telefone era outra coisa horrorosa, era preciso aguardar horas por um interurbano, que só era feito pela telefonista; e para falar e ser ouvido a pessoa tinha que gritar. De lá pra cá tudo aconteceu muito rápido. E gostamos das mudanças. Não sou nostálgica e adoro o urbano, o moderno, o tecnológico. Não sinto saudades daquele tempo. Afinal, como vou viver sem meu celular e o meu computador? Sofro só de imaginar ficar sem eles. Mas também acho que é chegada a hora de repensar as nossas reais necessidades. Nunca se sabe quando a natureza vai aprontar das suas, e essa engrenagem, que parece indestrutível, falhar.


quinta-feira, 1 de julho de 2010

Linhas Cruzadas


Por Loisa Mavignier
 
Sempre ouvi dizer que pedra que muito rola não cria limo. O dito popular sugere que não criar limo é algo ruim. No entanto, literalmente, limo é um conjunto de algas que cobrem como um tapete verde águas estagnadas ou lugares úmidos; e também pode ser lodo ou lama. Fazendo uma retrospectiva vejo que não criei limo, preferi criar laços, sem dar nós. Embora às vezes me pergunte se criar limo é uma virtude ou um defeito, concluo que a inquietude de colocar o pé na estrada deixou a minha bagagem bem mais interessante de carregar.

Em cada cidade que vivi me empenhei em novas descobertas. Apesar do novo também causar alguns incômodos, sou birrenta, não me dou por vencida facilmente. Como forasteira, enfrentei o bairrismo, estranhei hábitos regionais, olhei bem sua gente, senti suas alegrias e tristezas, me encantei com a cultura, com a beleza da terra, rejeitei e incorporei costumes, fiz amigos, e, como não sou santa, também ganhei alguns desafetos. Depois de tudo isso, não tem jeito, me sinto como cidadã local. Mesmo que só por algum tempo. E por onde andei, é claro, conheci e escrevi muito sobre cada ramificação dessa gente brasileira.

As linhas são cruzadas de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Muda a geografia, o sotaque, os costumes, mas os anseios do povo são os mesmos. Até os personagens são semelhantes nesses brasis do Brasil. Sabe aquelas figuras folclóricas que toda cidade tem? 

Nessa teia, onde o Brasil parece pequeno - aliás, encontro pessoas que conheci em outros cantos do país nos lugares mais inesperados - lá pelos idos dos anos 90 cobri como repórter de televisão uma operação especial dos Fuzileiros Navais no pantanal de Corumbá (MS). A novidade era o helicóptero Cougar, de transporte tático de tropas, da Base AeroNaval de São Pedro da Aldeia. Uma supermáquina lotada de militares prontos para a “guerra” na qual tive o privilégio de sobrevoar a região pantaneira e gravar o treinamento na mata. Embora já tivesse vivido um bom tempo no Rio de Janeiro nunca tinha ouvido falar na tal cidade, que, à época, o piloto enfatizara tanto a importância para aviação da Marinha do Brasil. E não prestei muita atenção nela, meu foco era a missão militar.

Passados 15 anos e muitas reportagens depois, quem diria, caí de paraquedas exatamente na até então desconhecida São Pedro da Aldeia. Hoje o treinamento com Cougar e também aviões caças da Marinha fazem parte do meu cotidiano. Sobrevoam a minha cabeça habitualmente fazendo um barulho infernal. Até aceno pra eles da varanda de casa. De repente, não mais que de repente, sou munícipe da cidade descrita por aquele piloto, onde nunca imaginei viver um dia. 

Curto o verão me banhando numa das maiores lagoas hipersalinas com espelho d’água permanente do mundo e brigo pela sua preservação, me delicio com camarão fresco e tainha assada na brasa, critico os maus políticos, me divirto com as fofocas locais(às vezes eu sou o alvo, viu como já faço parte da comunidade), vou à procissão do padroeiro São Pedro, me sinto invadida na alta temporada turística com o excesso de visitantes, enfim, sou quase aldeense. Pelo menos, até que a inquietude pegue a estrada, outra vez, de volta pra casa. O inusitado da vida, que não cria limo, nem aperta os nós. Prefere lavar a pedra e levar na bagagem as lembranças da passagem. Ora com saudades, ora com alívio. Mas, com certeza, fica sempre a alegria pelos amigos conquistados, as dificuldades vencidas, e um enorme prazer pelo conhecimento adquirido.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Confessando o inconfessável


Por Loisa Mavignier

Que me perdoem os aficcionados por futebol e, antes de tudo, saibam que sou patriota. Copa do Mundo 2010. Multidões Brasil afora enlouquecidas com seus ídolos correndo atrás da bola e medindo forças e técnicas com os melhores jogadores do mundo. Milhões de pessoas em êxtase!! Até aí, tudo normal. O estranho é me sentir a estranha no ninho. E sempre foi assim. Não consigo respirar futebol, me transformar numa foliã e sair por aí gritando, dançando e pulando a cada partida, num carnaval fora de época. Mas acho intrigante e divertido observar a disposição massificada das torcidas, de longe.

Conheço gente que teve até infarto em dia de jogo. Casamentos desfeitos porque o marido não saía de casa em dia de copa, copinha ou copona, nem com alerta de Tsunami. E gente que fica dando patadas no ar se o seu time perde. Ufa, é futebol o ano todo. Antes que queiram me linchar, vale ressaltar que amo o meu Brasil com todas as suas contradições. E adoro ser brasileira, tupiniquim mesmo. Mas decidi confessar o inconfessável: não consigo ver uma partida de futebol sem desejar ardentemente estar fazendo outra coisa. A mente começa a divagar por outros campos, menos o do jogo. Copa do Mundo pra mim é o gol e saber que o meu país ganhou. Com isso já me dou por satisfeita.

Sempre perguntei o por que da minha falta de  interesse por algo que todo mundo, com raras exceções, parece entender um pouco e adoraaar... Até que dia desses, vendo um programa de TV na madrugada, me senti menos sozinha. A cantora Zizi Possi também confessou viajar por outras terras além dos campos de futebol na África. Questionada pelo apresentador sobre a Copa do Mundo, respondeu que não tinha uma opinião a dar. Disse que “até viu o jogo porque tinha que ver, a TV estava lá mesmo, e deu aquela torcidinha na hora do gol, mas em determinado momento da partida, dormiu”. A sinceridade dela me serviu de consolo. Passei a não me sentir mais o único ser esquisito da humanidade em relação a futebol. Nunca tive um time e nem torci pra ninguém.

Até existem algumas coisas que atraem a minha atenção no futebol, como por exemplo, o  comportamento de massa e as notícias sobre os jogadores que estão sempre nas paradas de sucesso. Escândalos, romances com modelos (aliás, eles têm uma fixação por elas), separações, salários e pensões milionárias, origens pobres, amizades perigosas, bebedeiras e outras coisas mais, às vezes obscuras, como a violência de algumas torcidas organizadas ou o desvio de um ou outro jogador do BEM do esporte. Mas apesar de minha indiferença à bola em campo, é Copa do Mundo!!! Reconheço o mérito daqueles que conseguem deixar o povo em transe, fazer tanta gente vibrar, sofrer, sonhar e esquecer por algum tempo a vidinha mais ou menos. Aí dou o braço a torcer. Tomo uma cervejinha com os amigos, não grito, mas penso: ( e vale até um chavão) Se é para o bem de todos e para a felicidade geral da Nação... Avante Brasil!! Seja HEXA Campeão!!


domingo, 30 de maio de 2010

Moacyr Goes: A liberdade de dizer não

Rio - A liberdade consiste em poder dizer não. Não quero. Não vou. Conversava com Jaques Cheuiche, grande fotógrafo de cinema, e nos fizemos a pergunta que habita a cabeça de todo mundo: o que você faria se ganhasse milhões na loteria? Rimos das besteiras imaginadas, mas como me é peculiar, acabei pesando um pouco a conversa. Eu daria no pé.

Livre de ter que ganhar o que se pode comprar para meus filhos — educação escolar, moradia, roupas, alimentação, bens culturais, entretenimento —, estaria livre para dizer não. Diria não quando me chamassem para uma reunião com patrocinadores de arte, na qual devemos nos mostrar simpatia, erudição e capacidade de vender marcas embaladas em arte. Declinaria dos convites para contribuir com políticas culturais que jamais saem do palanque.

Não escreveria para o jornal alimentando minha precária ilusão de contribuir para tornar a sociedade mais tolerante e ordeira. Desviaria os olhos do nojo da política.

Não faria concessões para criar, viabilizando economicamente peças e filmes. Não leria nada além de livros que considero importantes. Não suportaria conversas em bares. Ouviria música muito mais, veria filmes muito mais e me calaria mais.

Em mim, o eterno embate entre a potência da ação e o niilismo estaria encerrado, vencendo a descrença absoluta no ser humano. Me tornaria muito mais insuportável aos outros, claro, e talvez minha mulher desistisse de me integrar ao mundo.

A liberdade absoluta leva inexoravelmente ou à solidão ou ao crime. Meu santo preferido é Santo Antão, que despiu-se de tudo e entrou no deserto à procura de Deus. Mas eu não jogo, não compro bilhetes e nunca serei rico. Ainda bem!

A imundície da vida tem, também, encantos e graça. Só me resta chafurdar nela. Ser prisioneiro feliz, como imaginou Camus sobre Sísifo.

Conexão Leitor-Jornal O DIA-29.05.10

Moacyr Goes-Diretor de teatro e cineasta

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Corrupção suga R$ 69 bi por ano no Brasil

Fora Ficha Suja?!!
Ficha Limpa Já !!

Por Loisa Mavignier

Os escândalos gerados pela roubalheira incessante de dinheiro público no Brasil me dão um nó na cabeça. Assim como eu, o povo brasileiro, não consegue mais contabilizar quanto, nós cidadãos, que  elegemos pessoas para defender os nossos interesses nas câmaras municipais e estaduais, no Congresso Nacional e na Presidência da República, perdemos a cada mandato. As cifras dos rombos divulgadas são tantas que parei de contar 100 mil, 500 mil, milhões, bilhões ou trilhões? Até então, ninguém havia feito uma estimativa do que de fato vai para o ralo, ou melhor, para o bolso dos corruptos nacionais. Agora, um estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) decifrou parte desse enigma. O custo da corrupção por ano no Brasil, segundo a pesquisa, é estarrecedor: chega a R$ 69 bilhões/ano. É pouco ou quer mais? Com certeza, “eles”, querem sempre mais. Se “cadeia neles” é quase uma utopia em nosso país quando se trata de crimes de colarinho branco, pelo menos, com o projeto Ficha Suja vamos conseguir impedi-los de mamar nas tetas públicas por algum tempo.

O relator do projeto Ficha Limpa, e também presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, Demóstenes Torre (DEM-GO), citou o estudo da FIESP no programa do Jô Soares, em 18/05, ressaltando que o dinheiro desviado pela corrupção no Brasil/ano equivale a quase 3% do PIB nacional e daria para construir 500 mil creches/ano. Verba que, na avaliação dele, e na minha também, poderia ajudar o país a sair da crise social.

Como raramente os corruptos profissionais vão parar na prisão, já que se agarram a todas as brechas da lei, e dos privilégios que o cargo parlamentar lhes concedem, negando sempre, até sob tortura, e o Maluf-lheira está aí como prova, o projeto “Ficha Suja”, se aprovado no Senado, irá pelo menos dificultar temporariamente o acesso dessa gente aos cofres públicos. Ou seja, terminado o mandato em andamento, e uma vez julgado por um colegiado de juízes, por duas eleições, ou oito anos, o pecador ficará inelegível. Isso se ele não conseguir se safar por meio de recursos e mais recursos judiciais.

Demóstenes Torres se diz convicto que o projeto, definido por ele, como “linha dura” e que terá votação aberta no Senado Federal, irá mudar a maneira de se fazer política no Brasil. Sei não... os deputados enrolaram, enrolaram e só votaram o projeto porque sentiram que não escapariam do julgamento popular, e, em ano eleitoral, não é hora de arriscar. Até mesmo porque a iniciativa do projeto é do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral(MCCE), que manteve os olhos cravados neles durante todo o tempo da análise e votação na Câmara dos Deputados. Entendo que temos de começar por algum lugar, e sem querer ser pessimista, avalio que as brechas judiciais não foram totalmente eliminadas do jogo.

Jogo de cena ou não, sabemos que os maus políticos dão um jeito de garantir a continuidade da corja, com todo respeito àqueles que mantêm sua idoneidade na vida pública “a qualquer preço”. A meta do MCCE era proibir a candidatura de todos os políticos condenados em primeira instância. Já o texto aprovado pela Câmara, que hoje (19/05) poderá ser votado no Senado, apesar do corpo duro do governo, proíbe por oito anos a candidatura de políticos condenados na Justiça em decisão colegiada - tomada por vários juízes ou desembargadores, mesmo que o trâmite do processo não tenha sido concluído no Judiciário. Este tipo de decisão acontece geralmente na segunda instância ou no caso de pessoas com foro privilegiado. O parecer aprovado, de autoria de José Eduardo Cardozo (PT-SP), prevê ainda a possibilidade de um recurso para garantir a candidatura a um órgão colegiado superior. Caso seja concedida a permissão para a candidatura, o processo contra o político ganharia prioridade para tramitação.

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Quando o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR) tentou protelar a urgência da votação do Ficha Suja, para que não valesse nas eleições desse ano, declarando “que uma coisa são os projetos de interesse do governo. Outra são projetos de interesse da sociedade”, foi de arrepiar os cabelos. A pergunta é: será possível eliminar a praga da política brasileira algum dia? Com uma declaração dessas o senador Jucá só demonstrou que quem tem c..., tem medo. Porque ele sabe que o efeito é dominó. E a eleição está batendo à porta. Lamentável. A postura dele reflete exatamente o sentimento dos eleitos pelo povo, que se não são todos, em grande maioria, se apossam do título de autoridade e agem como se fossem proprietários do país, dos estados e dos municípios. E não querem largar o osso de jeito algum. Até porque, vamos e convenhamos, é chato não ter poder.

Se nós simples mortais podemos ser julgados por apenas um juiz, porque eles têm que ter julgamento colegiado pelos “supostos” crimes? Se vale para o povo brasileiro, também tem de valer para os parlamentares, prefeitos e governadores. Do contrário não se estaria colocando  em dúvida todas sentenças judiciais individuais? Afinal essa gente  apenas nos representa lá em cima. Isso está me cheirando a privilégio, aliás, mais um para os detentores de cargos eletivos. Ou estratégia para retardar o julgamento. Tirar a corruptela política profissional do poder não é uma tarefa fácil. Até porque eles não são bobos nem nada. Para se ter uma idéia, um processo seja nas esferas cível, criminal ou de família, prevê 10 etapas para ser concluído. De acordo com notícias amplamente divulgadas na imprensa nacional, o Judiciário brasileiro está sufocado de processos. No Sul e no Sudeste, por exemplo, 70% das varas têm mais que o dobro de processos do número considerado razoável pelo Judiciário.

Como sabemos que a teia da corrupção começa no todo poderoso cofre da União, e tem fios gigantescos entranhados nos estados e municípios, para garantir o afastamento dos Ficha Suja, com julgamento de um colegiado de juízes,  teremos que nos manter em guarda em tempo integral. Mas dos males o menor - se o projeto não irá resolver o problema de todo, pelo menos acabará com o deboche que já vimos dezenas de vezes: após um escândalo, a renúncia do cargo para evitar a cassação do mandato; e os “caras” de volta na maior cara-de-pau nas eleições seguintes. Se o projeto for sancionado até 5 de junho pelo presidente Lula, as regras que endurecem a inegibilidade, pelo menos no papel, já valerão para as eleições desse ano, se a Justiça assim decidir. Só então poderemos dizer se funcionará na prática, ou será mais uma lei para inglês ver.

Se a corrupção fosse banida...

O levantamento da Indusnet-FIESP também traz simulações de quanto a União poderia investir, em diversas áreas econômicas e sociais, caso a corrupção fosse menos elevada.

• Educação – O número de matriculados na rede pública do ensino fundamental saltaria de 34,5 milhões para 51 milhões de alunos. Um aumento de 47,%, que incluiria mais de 16 milhões de jovens e crianças.

Saúde – Nos hospitais públicos do SUS, a quantidade de leitos para internação, que hoje é de 367.397, poderia crescer 89%, que significariam 327.012 leitos a mais para os pacientes.

Habitação – O número de moradias populares cresceria consideravelmente. A perspectiva do PAC é atender 3.960.000 de famílias; sem a corrupção, outras 2.940.371 poderiam entrar nessa meta, ou seja, aumentaria 74,3%.

Saneamento – A quantidade de domicílios atendidos, segundo a estimativa atual do PAC, é de 22.500.00. O serviço poderia crescer em 103,8%, somando mais 23.347.547 casas com esgotos. Isso diminuiria os riscos de saúde na população e a mortalidade infantil.

Infraestrutura – Os 2.518 km de ferrovias, conforme as metas do PAC, seriam acrescidos de 13.230 km, aumento de 525% para escoamento de produção. Os portos também sentiriam a diferença, os 12 que o País possui poderiam saltar para 184, um incremento de 1537%. Além disso, o montante absorvido pela corrupação poderia ser utilizado para a construção de 277 novos aeroportos, um crescimento de 1383%.

Maiores detalhes sobre o estudo no site da FIESP

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ando sentindo saudades de mim

"Hoje acordei com saudades de todos, da vida, da infância, enfim, de tudo que me fez bem... por isso passei por aqui pra deixar um beijão com muito carinho", a mensagem recebida de uma amiga no orkut ficou me martelando a cabeça, e pensei que também andava sentindo saudades de mim. Não pensem tratar-se de uma manifestação egocêntrica. Apenas saudades do riso fácil, das gargalhadas incontidas e quase histéricas, das lágrimas tão sinceras quanto inúteis que derramei vida afora, dos amigos que ganhei e dos que perdi e até dos inimigos sem causa. Saudade dos muitos textos que escrevi e das muitas histórias que vivi e contei por aí.

Repassando algumas páginas, tive a nítida sensação de em determinado momento ter perdido a noção do tempo. Algo, que pulei sem querer, horas que não percebi e minutos que não senti. Como um calendário sem dias e um diário sem notas. Será que o tempo se conta, ou ele apenas passa? Quando nos damos conta, ele está ali assustadoramente somado, hora por hora, minuto a minuto, dia por dia e aniversário por aniversário.

Nossa, estou chegando aos 50 e nem me dei conta. Como era boa a indiferença ao tempo que ainda viveria sem saber que seria tanto tempo assim. Antes, era como se o hoje fosse muito, muito longe. E talvez nem fosse chegar. Mas está aqui, firme e forte. Cru e nu. Aí, dá um friozinho na barriga pelo vivido e também o não vivido. Será que conseguimos contar o nosso tempo pelo tic tac do relógio? Contar os muitos sonhos de olhos abertos e aqueles quereres de olhos fechados, com o destemor dos que têm plena propriedade do seu tempo, pelo menos era o que acreditava: ser absolutamente dona do tempo, de um tempo sem datas e traços indefinidos.

Vou repassando a fita e percebo-a infinita, quase uma eternidade, embora inacabada. Intrigada com o começo, o meio, e a incógnita do fim, reviro as sensações e passagens do meu tempo. Algumas, não tão boas, estão congeladas na memória, mas sei que permanecem lá quietinhas esperando sua hora de entrar em cena, só pra relembrar, não para reviver. Outras, as positivas e cheias de afeto, acho facilmente no meu arquivo pessoal. Incontáveis historinhas e estorinhas, onde fomos, somos e seremos protagonistas, com inúmeros coadjuvantes, e, em algumas cenas, dividindo o papel principal. Uma incansável produção cinematográfica em cada um de nós. Com enredos que ganharam e perderam o Oscar, interpretações ora brilhantes e dignas de aplausos, ora densas com um quê de fatídica, de causar espanto na plateia.

Hoje, assim como a minha amiga Nelly, acordei com vontade de rever esses filmes. Alguns estão bem empoeirados, mas ainda despertam boas sensações, as mesmas de um dia. Daí, essa saudade, que não sei bem de quê. Pode até ser do tempo que ainda não vivi e das belas cenas que ainda sonho interpretar. Por isso ando com saudades de mim. E as suas fitas, como andam?

terça-feira, 27 de abril de 2010

Cantinho de lucidez

Banco lotado. Um dia como outro qualquer com um monte de gente entediada e, por que não, irritada, com o tempo perdido na fila de espera. Sentados diante dos caixas, aglomeram-se os clientes, absortos em seus próprios problemas e pensamentos. Uma plateia silenciosa do cotidiano entediante das agências bancárias. Silêncio só rompido pelo sinal eletrônico das senhas. De repente, um casal de idosos, que batizei de João e Maria, virou a atração no “palco”. João, bem arrumadinho e de aparência distinta, passou a ser alvo de sua mulher. Aos gritos, ela o repelia: “Sai daqui. Sai de perto de mim. Vai pra lá”, enquanto ele tentava ajudá-la no caixa. A agressão verbal continuou de forma repetitiva provocando gargalhadas nas dezenas de pessoas que aguardavam na fila.
Sereno e sem perder a compostura, João, do alto dos seus cabelos branquinhos, passou a explicar a um homem na primeira fila, perto de mim, que a vida dele agora estava um problema. Quarenta e oito anos casado com Maria; ela, com curso superior, detalhe que enfatizou várias vezes, tem mal de Alzheimer. Agora se esquece de tudo e só o agride. Ele tenta ajudá-la e é rejeitado e humilhado.

Um minuto, e uma intimidade exposta pra um monte de gente, que se divertia de modo insensível com a cena inesperada. João manteve uma distância de segurança de Maria no caixa, temendo que se excedesse ainda mais. Ela, no entanto, não se deu vencida, e, por duas vezes, virou-se para o "público" agressiva, e em alto e bom som: “Se esses vizinhos vieram me encher e falar qualquer coisa de mim, você vai ver. Só quero ver se esses vizinhos vão dizer que eu sou UMA BOA SENHORA desse aí", dizia apontando para João com raiva e em tom ameaçador. Novamente gargalhadas na fila de espera. Maria e João saíram do banco levando sua história em comum, ela ainda praguejando e o repelindo, e ele, seguindo-a de perto, conformado.

Assistindo a cena pensei no quase meio século de convivência de Maria e João e nas infinitas coisas compartilhadas por eles, além da cama. Independente da idade avançada e dos males que a acompanham como o Alzheimer, concluí que, estar 24 horas por dia com alguém, cansa. A convivência ininterrupta esgota as pessoas mental, emocional e psicologicamente. Mesmo sendo essa vivência uma escolha, como a de muitos casais, ou mesmo de parentes e amigos. João muitas vezes deve ter dado alegria e prazer a Maria, e, pelo jeito, também deve tê-la incomodado bastante ao longo da vida. Por amor ou não, ela envelheceu com ele. Agora, com a mente livre das amarras do racional exterioriza esse incômodo, sem se importar com o deboche, as risadas ou a exposição pública.

Maria, também de cabelos brancos, mas bem mais amarga do que João, agora está livre pra dizer e fazer o que quiser, inclusive amar, se o Alzheimer permitir. Mas prefere desprezar o companheiro seguindo o impulso de uma memória superpovoada. Uma mente quem sabe habitada por inúmeros fantasmas e contrariedades às suas próprias escolhas durante a vida. Mas no cantinho de lucidez que ainda lhe resta, sabe que precisa da proteção de João, e segue com ele de volta pra casa, brigando. Talvez isso para ela tenha um certo sabor de vingança. Vai saber...

Uma cena no Banco do Brasil – Copacabana RJ – julho de 2009

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Cristo não caiu

Seguia para o Rio de Janeiro na manhã seguinte a tragédia no Morro do Bumba, ainda impressionada e triste com o que tinha visto na TV antes de sair da Região dos Lagos. Peguei a estrada pensativa, divagando sobre o destino do planeta, a destruição ambiental, a montanha de lixo eletrônico sem destino certo, o desejo da humanidade de industrialização incessante, o consumo desmedido da sociedade contemporânea, enfim... me sentindo até culpada por andar querendo trocar de celular, apesar dele ainda estar funcionando muito bem para o que de fato interessa: falar com as pessoas.

A manhã para mim estava meio sombria, chuvosa e cheia de insegurança. Medo mesmo do que está por vir. Dos avisos que meio ambiente tem nos mandado, com sinais cada vez mais ameaçadores. Até que, ao chegar na ponte Rio-Niterói, o sol estava despontando, depois de dias e dias de chuvas, trovoadas, enchentes e vítimas. Lá de cima, ao ver novamente o céu azul sobre o Rio de Janeiro, com sua paisagem de cartão postal, todos os pensamentos ruins se dissiparam. Num passe de mágica meu humor mudou e fiquei de bom astral.

Fui correndo os olhos admirando o Pão de Açúcar, a Baía da Guanabara, o Santos Dumont e pensei... é bom estar no Rio. Nesse Rio cheio de bossa, de gente louca por praia e malhação, gente que te convida para ir na casa dela mas não te dá o endereço, dos habituês dos botecos, das conversas que não levam a lugar algum, do charme da Lapa, do sanduba de pernil do Bracarense, do Leblon, da cerveja no pé-sujo da esquina, das livrarias e cinemas, de gente famosa que você esbarra em qualquer lugar, de gente anônima como eu, dos que ignoram os tiroteios e balas perdidas e parecem feliz, do estar na moda fingindo não estar, enfim de tudo que nos faz gostar tanto do Rio, apesar da estranheza inicial de quem como eu vem de outro canto do país.

Já me sentindo confortada, procurei na paisagem o Cristo Redentor e não consegui vê-lo. De repente, fiquei paralisada?! Ainda influenciada pela enxurrada de tragédias, por um milésimo de segundo, pensei: Será que ele caiu também? Não, ele só não estava visível no horizonte por causa do andaime e telas de proteção das obras de reforma. Ah, bom! Não vê-lo na paisagem do Rio causa uma sensação estranha, é como se de repente, o Rio não fosse mais o Rio. Uma identidade roubada por um batedor de carteira. Sem ele, dá um branco no cenário. Mas foi só um surto momentâneo. O Cristo continua lá de braços bem abertos e me faz sentir privilegiada por ter um Rio de Janeiro no Brasil.
Abril de 2010